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Citricultura brasileira e o greening: um desafio para a ciência agronômica

O desenvolvimento científico, associado às melhores tecnologias de produção é essencial para o enfrentamento do problema


É muito agradável e gratificante chegar em qualquer feira ou mercado hortifrúti e ver a abundância de frutas cítricas disponíveis, com uma diversidade fantástica de laranjas, limões, tangerinas, limas e até pomelos, pouco usuais ao gosto dos brasileiros.

Mais relevante ainda é o aumento recente da oferta de sucos prontos, hoje já em grande disponibilidade no mercado.

Não é preciso descrever a importância desses frutos cítricos para a saúde humana, considerando suas características químicas e nutricionais, nem dizer que o agronegócio citrícola é extremamente relevante para o país, em especial as regiões produtoras dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, responsáveis pela quase totalidade do suco industrializado e exportado. No país, conforme dados do IBGE de 2021, a atividade citrícola é desenvolvida em cerca de 578 mil hectares, com um valor total de R$ 12,5 bilhões, com mais de 55 mil unidades de produção. Isso tudo dá uma indicação do envolvimento de mais de 200 mil trabalhadores apenas na área agrícola.

Quando se trata de agronegócio dessa proporção, é assustador pensar que toda essa pujança possa estar ameaçada por uma bactéria transmitida por um pequeno inseto.

Sempre que me envolvo com o tema do greening me vem na lembrança uma afirmativa do saudoso pesquisador e professor Ari Salibe, de quem muitas vezes ouvi: "Onde o greening entra, a citricultura sai". Não faltam também referências assustadoras na imprensa pela ação devastadora do Diaphorina citri, o psilídeo transmissor da bactéria Candidatus liberibacter causadores do huanglongbing (HLB) com potencial de destruição total de pomares.

Afirmações do tipo são muito conhecidas do público envolvido com a citricultura, principalmente muitos produtores que, de repente, começam sentir a presença da doença, a redução de suas produções, a perda de plantas adultas produtivas, o brutal aumento de custos e redução de rendas, resultando na iminente desistência da atividade na produção de citros.

Em valores numéricos, basta acompanhar os levantamentos do greening realizados pelo Fundecitrus e observar um preocupante crescimento da infestação pela doença, que já chegou a 24% dos pomares de São Paulo e Minas Gerais, havendo regiões como Limeira e Porto Ferreira com mais de 70% de infestação. Outras regiões anteriormente com baixa ocorrência estão apresentando preocupação pelo crescimento das plantas infestadas e um aumento considerável de plantas com menos de cinco anos de idade.

Soluções sustentáveis para o controle do HLB devem ocorrer a longo prazo, quando forem desenvolvidas plantas resistentes ou tolerantes com uso do melhoramento convencional de copas e porta-enxertos ou por transgenia, vetores virais ou edição genômica. São tecnologias em desenvolvimento nos principais centros de pesquisa sobre o HLB, onde o conhecimento e grandes investimentos são necessários.

Mas então se pergunta: enquanto uma solução definitiva não vem, como fica?

No Brasil, a estratégia do manejo cultural vem sendo recomendada e aplicada desde o aparecimento da doença e se baseia em plantio de mudas sadias, eliminação de plantas sintomáticas no campo e controle químico do vetor. Foram acrescentadas as medidas de controle regional do vetor, aplicações intensivas de inseticidas nas bordas dos pomares. Trata-se de um enorme esforço, que, apesar de sucessos localizados, parece não levar a uma solução definitiva, possivelmente por aplicações sem rotação de princípios ativos que pode ter levado à seleção de vetores resistentes. Outra grande preocupação é a intensidade do uso desses agroquímicos sobre o ambiente e para os consumidores.

A pesquisa tem focado muito a interação planta patógeno sob o aspecto fitopatológico, quando se sabe que os sintomas nas plantas infestadas pelo HLB têm muito a ver com os distúrbios fisiológicos que ocorrem na presença da bactéria.

Com a evolução da doença, há consequências secundárias resultantes do mau funcionamento do sistema vascular, seja morte das raízes, seja perda ou redução da distribuição hormonal, de água etc. O caos bioquímico e fisiológico é estabelecido como uma síndrome devastadora da vida do vegetal.

A velocidade de evolução da doença pode ser influenciada pela tolerância genética e, ainda, de sua saúde ou estado de desenvolvimento, tamanho e presença de estresses diversos como seca, inundações ou presença de outros patógenos.

Produtores americanos tentaram reverter sintomas através do chamado manejo nutricional, que mostrou algum sucesso inicialmente. Por aqui, o MFG - Manejo Fisiológico do HLB - é um tratamento desenvolvido pela Conplant em parceria com a empresa Allplant, que reduz os danos da doença por meio de ações que atuam na fisiologia da planta, ou seja, na nutrição, no balanço hormonal, na prevenção de estresses, nos aspectos de desenvolvimento vegetativo, reprodutivo, fenologia e nas relações entre a planta e o patógeno. Com base em resultados experimentais iniciados há mais de uma década, o MFG traz benefícios para a citricultura de forma complementar ao manejo dos vetores preconizados pela recomendação oficial e reduz o avanço dos danos da doença nos pomares, melhorando ou mantendo a produtividade de forma sustentável.

Nessa década de desenvolvimento do MFG, 167 produtores já testaram esse manejo. Muitos deles vêm continuamente aplicando o manejo com resultados econômicos surpreendentes em função da estabilização do avanço da doença e aumento de produtividade, o que tem estimulado a introdução de novos plantios em regiões de alta infestação.

A condução de lavouras com esse manejo associada a outras práticas agrícolas essenciais como calagem, adubações equilibradas, controle eficaz do psilídio tem trazido esperança de sustentabilidade para os seguidores. Os tratamentos para o

HLB não se limitam ao tradicional sistema de tratamentos tipo aplica e cura. Na verdade, são manejos de longo prazo que precisam ser incorporados no processo de produção.

Trabalho de pesquisa recente, parte do pós-doutorado de Camilo Medina com o professor Paulo de Castro da ESALQ, foi apresentado por Ricardo Machado no XVIII Congresso Brasileiro de Fisiologia Vegetal, mostrou que aplicações continuadas de nutrientes e reguladores vegetais conseguiram reduzir os impactos do HLB em pomares cítricos. A aplicação associada de giberelinas, auxinas e nutrientes reduziram a severidade da doença, a queda de frutos e melhoraram a qualidade. Aplicações isoladas de nutrientes ou de biorreguladores não tiveram o mesmo ganho mostrado pela aplicação associada.

Os conhecimentos já conseguidos em relação ao enfrentamento do greening evidenciam que o melhor caminho para esse desafio é a abertura dos cientistas e das instituições a novas estratégias e o emprego de todas as tecnologias disponíveis e viáveis, visando à sustentabilidade da citricultura. A ciência e o desenvolvimento científico associados a melhores tecnologias de produção serão essenciais, como já aconteceu no enfrentamento de outras ameaças pelas quais a citricultura passou. A persistência é fundamental, por isso não vamos desistir.

*Ondino Cleante Bataglia é engenheiro agrônomo, consultor na Conplant Consultoria, ex-diretor geral do IAC

 

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